sábado, 8 de setembro de 2012

As cobras do Senhor

pastor-manuseando-cobraA matéria com o título acima, da Revista Superinteressante de setembro, conta a história de Mack Wolford, pastor da Igreja do Senhor Jesus no Estado da Virgínia Ocidental, no sul dos EUA, que morreu ao ser mordido por sua cascavel de estimação, durante um de seus cultos. Mack costumava levar a serpente aos cultos para simbolizar sua confiança em Deus conforme o texto bíblico de Marcos 16.17-18: “Estes sinais acompanharão os que crerem: em meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal nenhum; imporão as mãos sobre os doentes, e estes ficarão curados.” Estas palavras de Jesus foram ditas um pouco antes da sua ascensão ao céu.

No estudo de um texto bíblico, alguns cuidados são necessários. Um deles é o exame cuidadoso da língua e do estilo literário do texto escrito. A Bíblia, que é na verdade um conjunto de livros, foi escrita em duas línguas (hebraica e grega) e em diferentes estilos literários. Não se interpreta uma poesia como uma narrativa, por exemplo. E, em matéria de atenção à língua, é preciso observar ainda os diferentes tempos verbais, para não confundir as coisas.

No texto em questão, os verbos estão escritos no tempo “futuro”, tal qual o temos também em português. Jesus está falando de coisas que iriam acontecer, sem, no entanto, dar qualquer ordem específica de realizá-los. Se os sinais descritos fossem ordens ou leis a serem seguidas, Marcos teria usado outro modo verbal: o imperativo. Daí o texto ficaria algo assim: “expulsem demônios, falem novas línguas, peguem em serpentes, bebam veneno mortal e curem doentes”.

O certo é que futuro não é imperativo, e vice-versa. E aí, com todo o respeito, Mack se perdeu. E não se perdeu apenas na confusão dos verbos, mas especialmente em ir além do que Deus disse. Esta é uma das constantes tentações do ser humano, uma mania que é característica ímpar do diabo: a mania de querer tentar a Deus.

Quando o diabo tentou Jesus no deserto, levou-o até a parte mais alta do templo e “ordenou-lhe” que se jogasse abaixo, pois os anjos o segurariam em suas mãos. A resposta de Jesus foi taxativa: “Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus” (Mateus 4.7). Ou seja, quem brinca com fogo pode se queimar e quem manuseia serpentes pode, sim, ser mordido. O recado é claro: não banque o espertinho, achando que pode dominar a vontade e o poder de Deus ou torná-lo uma espécie de gênio da lâmpada. Não é à toa que, recusando atendimento médico após a mordida da serpente, Mack Wolford tenha morrido, como acontecera anos antes com o seu próprio pai.

Mas e o que sobra para nós? Bom, sobra a ordem.

O discurso de Jesus no momento da sua subida ao céu contém um único verbo no imperativo, uma ordem da qual não dá para correr: “Preguem o evangelho a todas as pessoas” (Marcos 16.15). Os discípulos entenderam tão bem essa prescrição, que “saíram e pregaram por toda a parte” (v. 20). E aí algo grandioso aconteceu: as palavras “futuras” de Jesus se cumpriram – “e o Senhor cooperava com eles, confirmando-lhes a palavra com os sinais que a acompanhavam” (v. 20). Os sinais foram mandados pelo próprio Deus, não como um fim em si mesmo, mas para “confirmar” o evangelho pregado. Afinal, esse evangelho é pregado para salvar: “Quem crer e for batizado será salvo” (v. 16).

O site da igreja de Mack Wolford postou essa homenagem após sua morte: “Ele amava a palavra de Deus, e morreu seguindo o que a Bíblia dizia”. Não questiono o amor de Mack pela Palavra de Deus. Mas o certo é que ele morreu por fazer o que a Bíblia não ordenou.

Lembre-se: a ordem não é exorcizar, curar, beber veneno, falar novas línguas ou pegar em serpentes. A ordem é “pregar o evangelho”. Aliás, foi isso que tentei fazer com esse singelo texto.

(Pastor Julio Jandt)

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